Romances
. O Sedutor do Sertão (1962 - inédito)
. A Pedra do Reino, José Olympio Editora, 1971 (*)
. A História do Rei Degolado nas Caatingas do Sertão - Ao Sol da Onça Caetana, José Olympio Editora, 1976
. A História de Amor de Fernando e Isaura, Edições Bagaço, 1994
Teatro
. Uma Mulher Vestida de Sol, Editora da UFPE, 1947
. Cantam as Harpas de Sião (1948, reescrita sob o título abaixo)
. O Desertar de Princesas, 1948, inédita
. Os Homens de Barro, 1949, inédita
. Auto de João da Cruz, 1950, inédita
. Torturas de Um Coração, 1951, inédita
. O Arco Desolado, 1952, inédita
. O Castigo da Soberba, seleta em prosa e verso, 1953
. O Rico Avarento, seleta em prosa e verso, 1953
. O Auto da Compadecida, 1955, Editora Agir
. O Casamento Suspeitoso, José Olympio Editora, 1957
. O Santo e a Porca, José Olympio Editora, 1957
. O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna, seleta em prosa e verso, 1958
. A Pena e a Lei, Editora Agir, 1959 (**)
. Farsa da Boa Preguiça, José Olympio Editora, 1960
. As Cochambranças de Quaderna, inédita, 1988
. A História de Amor de Romeu e Julieta, inédita, 1996.
Comédia em 3 atos diretamente influenciada
pela peça Aulularia - de Plauto, autor romano com influências gregas - escrita no período de maturidade deste autor (entre 194 e 191 a.C.).
O Santo e a Porca (1957)
- subtítulo “Imitação Nordestina de Plauto”.
Evidencia a proposital intenção do autor nordestino em produzir uma releitura da comédia latina do dramaturgo romano. Entretanto, ao situar o tema em um novo contexto histórico-social, Suassuna confere à sua obra um inegável tom de
originalidade, não se limitando a fazer uma simples imitação, como ele mesmo havia denominado.
TEMA: avareza de Euricão
O tema da avareza já havia sido tratada por
Menandro nas comédias Hydría, Epitrépontes,
Thesaurós.
A peça se inicia com o recebimento de carta de Eudoro para o comerciante Eurico. Chega trazida pelas mãos de seu empregado Pinhão, noivo de Caroba – que trabalha para o velho Euricão.
Conteúdo da carta: Eurico informa que lhe fará uma visita para pedir o seu bem mais precioso.
Qual o bem precioso?
Euricão pensa ser a porca em cujo interior estão maços de dinheiro, mas, no fundo, é sua filha Margarida.
PERSONAGENS
- Euricão: patriarca da família; pai de Margarida, irmão de Benona; avarento, desde que sua mulher faleceu, mantém seu rico dinheirinho dentro de uma velha porca de madeira; tem profunda devoção por Santo Antonio.
Em Aulularia, protagonista Euclião (gr. eû-kléos, boa fama ou eu-kleío, aquele que esconde),que encontra uma panela de ouro deixada por seu avô. ‘Esse achado’ aliado ao casamento de sua filha com um velho rico, origina o mote central de um texto ágil cheio de encontros, desencontros e ambiguidades.
- Margarida: filha de Euricão, deseja casar-se com Dodô.
- Dodô: filho de Eudoro Vicente; largou os estudos e trabalha na casa de Eurico como guardião de sua filha, disfarçado de torto, deformado e sovina, com o objetivo de namorá-la às escondidas. Consegue, enfim, casar-se com Margarida.
- Eudoro Vicente: fazendeiro rico, que fora noivo de Benona na juventude, entretanto, viera, a princípio, pedir a mão de Margarida. Termina casado com Benona.
- D. Benona Árabe: irmã de Eurico, solteirona; Caroba a ilude e faz pensar que Eudoro veio pedi-la em casamento.
- Caroba: serviçal do árabe; arma a tessitura dramática, manipulando as outras personagens, convencendo-as, criando inúmeras artimanhas para proteger a filha do patrão. Fora-lhe prometido um pedaço de terra se obtivesse êxito, o que facilitaria o seu casamento; age tal qual João Grilo.
- Pinhão: empregado de Eudoro; almeja casar-se com Caroba
- Delegado Cabo Rangel
Porca recheada servida no jantar X o cofre em formato de porca recheado de dinheiro
Com o desaparecimento do cofre, Eurico desesperado revela que a porca estava recheada de dinheiro guardado há muitos anos.
Na sala, uma cena divertida: três casais juntos e felizes diante de Euricão que lamenta a perda da porca.
Ao término, Euricão percebe que o dinheiro havia perdido o valor com o tempo. Resta-lhe a solidão: ele só com a porca e o Santo. Tenta compreender o que lhe aconteceu. Sozinho, no palco, chora e nos deixa uma reflexão.
Tal como no Auto da Compadecida convida-nos a participar desse momento reflexivo: a vida ainda é um grande mistério para todos nós. Não sabemos de onde viemos nem para onde iremos. A única certeza: a morte. Também não sabemos como viver a vida. Nenhum Manual de Autoajuda contém respostas. Claro! Não há manual de instruções, não é mesmo?
AMBIENTE
Sala da casa do comerciante Eurico, onde quase tudo acontece onde há uma estátua de Santo Antonio e uma antiga porca de madeira. Nesta fortaleza, há 2 tesouros: sua filha e a porca. É importante lembrarmos que lá moram sua filha, a irmã, a empregada e, há uns tempos, Dodô.
LINGUAGEM
Eurico invoca constantemente Santo Antônio:
- Ai a crise, ai a carestia! E é tudo querendo me roubar! Mas Santo Antônio me protege!
Apesar do dinheiro guardado, insiste em se dizer pobre. Muitas vezes faz cobranças ao santo, como na passagem em que concorda em ler a carta de Eudoro, que pretendia pedir-lhe a filha em casamento:
- Então eu leio. Mas Santo Antônio, veja lá! Não vá ser essa safadeza de me pedir dinheiro emprestado!
1º ato afirma:
- Ai minha porquinha adorada, ai minha porquinha do coração! Querem roubá-la, querem levar meu sangue, minha carne, meu pão de cada dia, a segurança de minha velhice, a tranquilidade de minhas noites, a depositária de meu amor!
Modernismo – 3ª fase pós-1945
Teatro Popular do Nordeste [pós-segunda guerra, Recife, época em que intelectuais, atores e poetas tentam redemocratizar o teatro nordestino].
Influências: teatros grego e ibérico do século XVI; Commedia dell'Arte italiana, também baseada na improvisação e no uso de máscaras; personagens estereotipados: avarento, fanfarrão.
Em Itaperoá, município paraibano, nosso autor tomou conhecimento da cultura nordestina: assistiu, pela primeira vez, uma peça de mamulengos, um desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” viria a ser outra das marcas registradas da sua produção teatral – o repente / a literatura de cordel / as parlendas,...
= Nosso autor é baluarte da cultura popular do nordeste brasileiro e sempre teve pretensão de realizar um arte brasileira erudita.
Ariano diz que sempre gostou, desde menino, de livros e de cantadores.
O TEATRO é a arte do DIÁLOGO.
Dentre os elementos fundamentais, é mister destacar para a compreensão da obra lida:
= TEMA [proposição, assunto que se quer desenvolver ou provar]
= ROTEIRO como o próprio nome já diz, é um guia, uma rota a ser seguida.
= CENÁRIO: sala da casa do comerciante Eurico
= ILUMINADOR [indivíduo responsável pela iluminação]
Afinal, essa técnica vai criar, por meio de variações e efeitos de luz, o clima adequado à cena.
= RUBRICAS
texto que não faz parte do diálogo, mas indica aos atores, ao diretor e à produção (arte, figurino etc.) detalhes imprescindíveis da cena; são colocadas entre parênteses.
ATENTE!
As rubricas e as indicações ficam em linhas separadas e escritas em itálico, afastadas da margem esquerda uma meia dúzia de espaços (endentação).
A peça de teatro divide-se em Atos e Cenas. Os atos se constituem de uma série de cenas interligadas por uma subdivisão temática. As cenas se dividem conforme as alterações no número de personagens em ação: quando entra ou sai do palco um ator. O cerne ou medula de uma peça são os diálogos entre os personagens. Porém, o Roteiro contém mais que isto: através das rubricas e das indicações ele traz as determinações indispensáveis para a realização do drama e assim orienta os atores e a equipe técnica sobre cada cena da representação.
As Rubricas (também chamadas “indicações de cena” e "indicações de regência") descrevem o que acontece em cena; dizem se a cena é interior ou exterior, se é dia ou noite, e o local em que transcorre. Interessam principalmente à equipe técnica. Apesar de consideradas como “para-texto” ou “texto secundário”, são de importância próxima à do próprio diálogo da peça, uma vez que este normalmente é insuficiente para indicar todas as ações e sentimentos a serem executados e expressos pelos atores.
A Macro-rubrica é uma rubrica geral que interessa à peça, ou ao Ato e às Cenas; é também chamada “Vista”, e é colocada no centro da página, no alto do texto de cada cena, e escrita em itálico ou em maiúsculas. As demais Rubricas estão inseridas no diálogo e afetam apenas a ação cênica.
A Micro-rubrica Objetiva refere-se à movimentação dos atores: descreve os movimentos, gestos, posições, ou indicam o personagem que fala, o lugar, o momento, etc.
As Micro-rubricas Subjetivas interessam principalmente aos atores: descrevem os estados emocionais das personagens e o tom dos diálogos e falas.
Podem também cair em meio à fala, e neste caso, além de escritas em itálico, também são colocadas entre parênteses. Entre a fala de um e de outro personagem é deixado um espaço duplo. Os verbos estarão sempre no tempo presente, e a ordem das palavras deve corresponder à sequência das ações indicadas.
= PERSONAGENS
as falas virão ao lado dos nomes de cada um.
Construção de personagens: em cada um, uma classe social representada. Apelidos cômicos.
- Euricão: Engole Cobra, Eurico Árabe
- Margarida: flor ornamental por suas inflorescências vistosas com diminutas sépalas brancas, amarelas ou alaranjadas; bem-me-quer, malmequer. Por isso vive entre dois polos de interesse: material (Euricão) e sentimental (Eudoro e Dodó).
- Benona: > Eunomia, grego, ordem bem regulada.
Representa os pudores, o recato.
- Eudoro: Eudoros = eu (do grego bem, bom) + dôron (o generoso). Representa a burguesia
- Dodô: redução de Eudoro
- Caroba: árvore grande e forte com folhas e flores campanuladas azul-violáceas e frutos capsulares; jacarandá. Esperta, articula as ações dos demais.
- Pinhão: árvore com folhas alternas e flores purpúreas e frutos pequenos, de cor carmim com polpa comestível; representa a voz do povo.
Logo: explora figuras folclóricas típicas, como o senhor sovina e a serviçal esperta, personagens populares que conduzem a um desfecho positivo da trama.
LINGUAGEM CONOTATIVA / DENOTATIVA
= Ironia
- Você não sabe! – Euricão ao indagar Pinhão a respeito de onde colocara sua porca.
= Regionalismo, uso informal
“Ai, meu Deus, eu hoje estufo de tanto rir” [fala deCaroba]
= Observem a religiosidade presente em suas obras: Virgem, Nossa Senhora é evocada em O Auto da Compadecida / Santo Antonio em O Santo e a Porca
Ariano Suassuna refere-se à Aulularia - “A comédia da panelinha”, cujo enredo se desenvolve em torno das ações do avarento Euclião, que descobre na lareira de sua casa uma panela cheia de moedas de ouro deixada por seu avô e protegida pelo deus Lar
Para os romanos, Lar era uma divindade protetora da família e de cada casa; era cultuada no lararium, uma espécie de oratório.
SIMBOLOGIA
No ambiente...
= sala: "um santuário, em que se pede a proteção de Deus, celebra-se o seu culto e guardam-se as imagens sagradas"
= lar + -eira è o centro da casa, símbolo da vida em comum; seu calor e sua luz aproximam pessoas; Logo: por ser parte interna e central da sala, é considerada portadora da harmonia familiar.
= moeda: valor monetário + ludibriar / dissimular
CARACTERÍSTICAS TÍPICAS do teatro desse paraibano do Recife:
= elementos nordestinos,
= o sentido de moralidade/filosófico
= a piedade (ou a compreensão das fraquezas do ser humano).
A peça explora o potencial revolucionário da cultura popular, ao pôr em cheque os valores sociais estabelecidos.
AULULARIA, de Plauto
A panela, na obra de Plauto, e a porca, na de Suassuna, espécies de ídolos, tornam-se símbolos do conflito, inerente à natureza humana, entre materialidade e espiritualidade.
Na primeira cena do primeiro ato, há um diálogo entre Euclião, o velho avarento, e sua criada Estáfila. Euclião, com medo de que Estáfila saiba que ele possui uma marmita com ouro, põe-se a agredi-la, tanto física como verbalmente, fazendo-lhe terríveis ameaças.
Na terceira cena, receoso de que pudessem roubar sua marmita com ouro, Euclião resolve retirá-la de casa e passa a levá-la consigo por toda parte. Por fim, já aliviado, acaba por consentir que os serviçais prossigam em seu trabalho e sai com seu tesouro escondido sob as vestes.
Euclião e as núpcias de sua filha tal como ocorre na obra de Suassuna.
Nas duas obras, os personagens fazem uso de linguagem repleta de jogos de palavras, ditados...
Confira a fala do serviçal Pinhão:
Agora, é assim, Santo Antônio, meu velho, “bom almoço, boa janta, boa ceia e bom café”.
A “sabedoria popular”:
Não há como um dia atrás do outro e uma noite no meio;
... da roseira eu quero o galho, do craveiro eu quero o pé, agora é assim: da porquinha eu quero as tripas, quero pá, cabeça e pé; plantou o roçadinho dele, mas quem arrancou o milho foi Pinhão.
MITOLOGIA
Euclião, até o momento da perda de sua panela com o tesouro, invoca o deus Hércules, que corresponde ao deus grego Héracles, símbolo da força combativa. Para os romanos era divindade protetora dos bens materiais e dos bons lucros nos negócios.
Após a perda de seu tesouro, a invocação é Júpiter, que simboliza tanto a expansão material como o enriquecimento vital.
SIMBOLOGIA COMPARADA
- Aululária ou O Vaso de Ouro, o Deus Lar, a lareira, o templo da Fidelidade, o bosque de Silvano e o objeto representativo da avareza: a panela (vaso).
- O Santo e a Porca temos como correspondentes o Santo Antônio, a sala, o porão, o cemitério e o objeto da avareza: a porca de madeira.
O AUTO DA COMPADECIDA
João lamenta: “Não aguento mais essa agonia de ficar rico, ficar pobre, ficar rico, ficar pobre...”
João Grilo olha suas muitas moedas, mas eram muito antigas e não tinham valor nos dias atuais.
O MERCADOR DE VENEZA, de Shakespeare, escrita em alguma época entre 1594 e 1597, entre Veneza e a fictícia Belmonte: Bassânio, um comerciante de prestígio é arruinado por um contrato de risco feito com um rico judeu para ajudar um amigo: o judeu desonesto paga um grupo de saqueadores para roubar a carga encomedada – uma tira de couro do próprio corpo. A estrutura da obra tempera um drama trágico com boas doses de romantismo e comédia. Temática: orgulho, arrogância, amizade verdadeira,... Em evidência uma virtude: a misericórdia ou compaixão.
Ao revelar-se inspirado em Plauto, Ariano Suassuna, numa distância de mais de dois milênios, reproduz o tema da avareza, situando-o no nordeste brasileiro. O objeto que representa essa avareza agora é uma porca de madeira, que pertence a Euricão Árabe e que tem como protetor Santo Antônio.
Considerado o Cavaleiro Andante (numa clara alusão a Dom Quixote) da “O Santo brasileira,...
“Teatro é uma coisa limitada. Você tem que ficar no limite de uma hora e meia a duas horas, e eu precisava de mais espaço” – afirmou Suassuna por ter preferência por Pedra do Reino, uma vez que pôde contar o que não coube em suas peças.
Ariano é assim, espirituoso, naturalmente engraçado, e, ao mesmo tempo, uma figura controversa. Muitos o idolatram, outros zombam de sua resistência às influências estrangeiras. Não gosta de rock, acha Elvis Presley um idiota, nunca viajou para fora do Brasil e é avesso a qualquer elemento da cultura norte-americana – relatou um repórter após entrevista.
O escritor de causos de um povo simples soube retratar como ninguém a vida dos nordestinos. Aos 83 anos, Ariano Suassuna demonstra consciência sobre o seu papel na cultura. “Entre tantos artistas criadores, como Graciliano Ramos, que é daqui, para mostrar a importância que tem Alagoas e a Universidade de Alagoas em particular”, declarou ao receber, este ano, da reitora da UFAL o diploma de Doutor Honoris Causa.
Por que todo lugar é palco, e todo homem, ator.” (Bertolt Brecht)