Crítica literária
Clima, 1941
É autor de obras fundamentais como Formação da Literatura Brasileira (Momentos decisivos), Os parceiros do Rio Bonito e muitos outros, inclusive Vários Escritos (Liv. Duas Cidades), que inclui a palestra Antonio Candido, 80 anos de Humanização, sob o título O direito à literatura (antes editada pela Comissão Justiça e Paz e Ed. Brasiliense, sob o título Direitos Humanos e Literatura, no 1º volume de Direitos Humanos e ...).
A palestra analisada faz parte da obra “A Educação pela Noite & Outros Ensaios”, Editora Ática, 1987
Sua bibliografia é ampla. São 378 críticas. É importante conhecê-las.
Prêmios
Prêmio Camões - o mais importante galardão literário para a língua portuguesa (1998).
Obras do autor:
Ficção e Confissão (1956)
Formação da Literatura Brasileira (1959)
A Personagem de Ficção
Tese e Antítese (1964)
Literatura e Sociedade
Vários Escritos (1960)
Radicais de Ocasião (1978)
Quatro Esperas
Brigada Ligeira e outros Escritos
O Discurso e a Cidade (1993)
O Estudo Analítico do Poema (1999)
A Educação pela Noite e outros Ensaios (2000)
Palestras e artigos do consagrado ensaísta abordam a obra de diversos autores e críticos brasileiros.
Uma crítica coerente, eficaz e perspicaz se coloca em uma posição de respeito diante da obra literária, perante a produção artística. Tal respeito deve ser, entretanto, limitado, pois a análise da obra requer o conhecimento de valores articulados pela tradição crítica que serão respeitados, mas não devem ser somente reproduzidos. A tradição pode ser um avanço nos estudos ou, ao mesmo tempo, grilhões que nos impedem e nos imobilizam sem percebermos.
Antonio Candido se coloca na posição de crítico, cidadão, professor, intelectual, pensador. Crítica para Candido possui a acepção de Crisis, conflito, descoberta, debate e ensaio. Por isso, uma crítica coerente não se esquece do compromisso político de todo ato intelectual e de sua cidadania.
A Literatura é parte integrante da cultura e como tal deve ser pensada em relação ao humano e sua expressão. Candido, com sua perspicácia, possui este trabalho intelectual que é acima de tudo um ato político.
A literatura é engajada e funciona como arma de denúncia e defesa do nacionalismo, assim Antonio Candido, em Literaura de Dois Gumes afirma que a literatura nacionalista está intimamente vinculada à construção da nacionalidade e até mesmo, que esta literatura foi determinante para a ocorrência desta construção.
A formação da identidade cultural brasileira, na fronteira do século XVIII para o XIX, está acoplada no bojo de um ambíguo processo de libertação que, resguardando em sua economia interna o fantasma da empresa colonizadora, constitui um dos paradoxos através dos quais o país tem acesso à modernidade.
O interesse do autor é estudar a literatura brasileira a partir do momento em que ela se configura como um sistema articulado: um circuito delimitado entre autor, obra e público, elementos reunidos numa interação dinâmica que possui continuidade no tempo.
Candido sustenta que um primeiro “momento decisivo” no adensamento do processo de formação desse “sistema” pode ser visto no século XVIII, no Arcadismo e no Neoclassicismo, onde se acham autores cujas aspirações e cujos temas se ligam às mudanças históricas em andamento.
Nesse enfoque, a importância do social na literatura é reconhecida, porém ele não é avaliado como um fator ‘externo’, e sim como um fator “interno” da estruturação do texto literário. O social e o estético não se contrapõem como potências rivais, cada uma delas empenhada em determinar os limites da outra: são duas dimensões mutuamente imbricadas, se valorizando na relação que as liga.
Marília de Dirceu seria, para Antônio Candido, um poema de lirismo amoroso baseado numa experiência concreta, e uma exposição serena e altiva da personalidade de Gonzaga. Esses dois pólos não se excluiriam: juntos, seriam a chave para a compreensão do livro. O juízo crítico do autor divide-se em três pontos principais: a aventura sentimental de Gonzaga, sua formação poética e as características de sua poesia.
O primeiro ponto explica-se pela presença marcante da personagem Marília, tão forte que chega até a ser física. Os poemas criam um mito feminino, dos poucos existentes em nossa literatura (Iracema e Capitu seriam suas “descendentes”). As musas dos outros poetas árcades, como Silva Alvarenga, tinham existências despersonalizadas; Marília aparece na janela com suas tranças, suas estratégias amorosas, mau-humor e doses de frieza diante de Dirceu apaixonado, e, simultaneamente, a musa de Gonzaga, escreve Antônio Candido, despede-se da vida cotidiana para se tornar uma figura de Fragonard, um bibelô delicado ora louro, ora moreno, ora com flores, ora com cordeiros.
A historicidade é peça-chave no esquema de Antônio Candido, mas o crítico não considera as obras meros sintomas. Para atravessar as páginas de Marília de Dirceu, o autor levou em conta o contexto cultural da época, mas respeitou o autor em sua integridade estética.
O Arcadismo, ou Ilustração, ou Neoclassicismo, usados pelo autor de forma indiferente, foi a marca decisiva em que as manifestações literárias brasileiras adquirem características de sistema.
O outro “momento decisivo” examinado no livro é o do Romantismo.
Se o Arcadismo trouxe a incorporação de padrões europeus tradicionais, que contribuíram para organizar com alguma eficácia a nossa atividade literária, o Romantismo foi além disso e se destacou por sua vontade consciente de forjar aqui uma literatura independente.
As novas condições criadas no período do Império ao mesmo tempo viabilizavam e dificultavam o novo movimento de individualização nacional, que se empenhava em combinar o singular (a expressão da nossa realidade) e o Universal (os padrões dos países em que nos inspirávamos).
O quadro histórico se ressentia da falta de um público leitor esclarecido e dotado de uma consciência artística fortalecida, capaz de estimular (ou criticar) os escritores. O “senso de missão” dos românticos não lhes bastava para criarem uma grande literatura. No indianismo, por exemplo, transpareciam muitas ingenuidades. “o espírito cavalheiresco é enxertado no bugre, a ética e a cortesia do gentil-homem são trazidas para interpretar o seu comportamento”.
As insuficiências eram inegáveis, porém o único meio de superá-las era conseguir aprofundar a compreensão das obras sem desprezá-las, mas resgatando o que tinham de melhor.
Segundo Antonio Candido, Machado de Assis é quem nos proporciona o melhor exemplo de lucidez não só na sua vocação para a universalidade.
Na sua compreensão da condição humana, Machado aproveitou autores de todas as proveniências, desde a Bíblia até Schopenhauer, passando por Lawrence Sterne, Pascal e Jonathan Swift. No entanto, a recuperação generosa dos acertos dos que os antecederam em sua própria terra contribuiu para que ele permanecesse independente em relação aos modismos internacionais. “Esse mestre admirável se embebeu meticulosamente da obra dos seus predecessores”. Extraiu elementos dos escritos de Joaquim Manuel de Macedo, de José de Alencar e de Manuel Antonio de Almeida.
Machado, com sua universalidade, com sua singularidade, funciona como uma chave que ajuda a abrir a “caixa-preta” do desastre nacional.
E o modo como Antonio Candido nos mostra isso faz do seu livro uma chave para que não só o povo das letras, mas também nós, da educação, possamos nos pensar e repensar no movimento que se realiza ininterruptamente entre o cultivo da nossa identidade cultural, singular, e a abertura para o diálogo corajoso com o mundo, com os “outros”.
O Estado Novo (1937-1945) e a Segunda Guerra Mundial aguçaram as tensões no plano das idéias e novas configurações históricas geraram novas experiências nas artes, principalmente na literatura.
A produção dos autores da primeira metade do nosso século deixa transparecer angústias e projetos inéditos nos trabalhos de poetas, narradores e ensaístas.
Antonio Candido é sensível às manifestações do pensamento clássico ou contemporâneo, nacional ou universal, e trata com familiaridade toda obra literária - poesia, prosa, ensaio; por isso, se mantém atual.
Estuda Proust, Stendhal, Romain Rolland, Silone; Antero de Quental, Eça de Queirós, Machado de Assis. Aprecia seus principais contemporâneos - Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ciro dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, Jorge Amado. Prenuncia grandes nomes, como os de Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, José Geraldo Vieira. E não deixa de lado o trabalho dos críticos e pensadores, como Gilberto Freyre, Tristão de Ataíde ou Álvaro Lins.
A variedade se organiza, entretanto, na coerência dos princípios tanto estético-literários quanto éticos e, a você, leitor, chega uma síntese clara entre a permanência que reitera as convicções e a renovação que atualiza a prática.
Antonio Candido inspiraram toda a nova geração de críticos e professores de São Paulo, sendo uma referência incontornável na cultura brasileira contemporânea.
Faca de dois gumes = ação ou coisa que merece ponderação, pois tanto pode beneficiar quanto prejudicar
As palavras são como uma espada de dois gumes; têm o poder de ferir e reconstituir feridas; de destruir e de edificar.
“A Faca de Dois Gumes”, volume com três novelas de Fernando Sabino, Editora Record (1985).
Personagens dúbios; finais indecifráveis. A violência das obras contemporâneas é recurso notório do retrato de nosso tempo na literatura. O discurso em 3° pessoa é permeada de psicologismo, e o fluxo de consciência é retomado o tempo todo por Aldo Tolentino (protagonista).
“Faca de Dois Gumes” (Brasil, 1989), em versão cinematográfica do diretor carioca Murilo Salles; um polêmico filme.
“Uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou lingüística, para utilizar os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o elemento de sua preferência, desde que o utilize como componente da estruturação da obra”.
(Antonio Candido. In: Literatura e Sociedade. P. 07)
Candido, como todos nós sabemos, possui uma linguagem acessível a qualquer leitor. Uma escrita que evita os conceitos dogmáticos e prisioneiros da especulação que imobiliza a contradição que é o “nervo da vida”. Com uma sensibilidade artística e rítmica, faz da crítica literária uma forma de expressão artística. A crítica de Candido é arte, flexível, ressoa como um poema que se debate para alcançar a expressão que melhor descreve as aventuras do espírito. (Professor Ms. Flávio Leal)
"Quem lê um ensaio de Antonio Candido, sobretudo os dos últimos anos, logo percebe que está diante de um tipo de escrita que, pela simplicidade e a comunicabilidade, lembra imediatamente a fala e o tom de conversa. De conversa culta e requintada, por certo, mas com grande naturalidade, sem nenhuma pompa ou atavio, e com um vivo desejo de pronta comunicação."
Arrigucci Jr., Davi. Movimentos de um leitor. In: ___ Dentro do texto, dentro da vida: ensaios sobre Antonio Candido. São Paulo: Companhia das Letras e Instituto Moreira Salles, 1992.
"Uma análise, ainda que superficial, da produção intelectual de Antonio Candido mostraria, por um lado, a pertinência de suas antigas e novas idéias na atualidade e, por outro, a incapacidade (não sei se a palavra é correta - competiria a ele escolher a justa) que ele experimenta de continuar a dialogar, apaixonadamente, com obras escritas depois dos anos 70, e com os novos leitores que vão sendo constituídos aos trancos e barrancos, por elas e pelos raros e ralos mediadores. Sai pachorrentamente de cena o crítico para que o ator político partidário receba o holofote. Um discreto, mas incisivo tom memorialista afoga a escrita crítica e volta à tona em páginas admiráveis de evocação."
Santiago, Silviano. Prefácio. In: ___ Antonio Candido: a palavra empenhada. São Paulo/Niterói: Edusp/ da Universidade Federal Fluminense, 1994.
Como poucos outros críticos em língua portuguesa, Cândido, que é só crítico, não poeta nem ficcionista, lido em conjunto, nos dá a agradável sensação de que, primeiro, a crítica literária inteligente, como a dele, participa ativamente da vida cultural do país e, segundo, por isso mesmo rechaça tanto a atitude culposa, que acha que deve esconder a mão quando a pratica, quanto a atitude elitista, que se considera fora das contingências da vida cultural trivial.
Cândido mergulha na história o tempo todo, e esta é talvez o mais forte dos temperos de sua atividade intelectual, figurando como uma espécie de pano de fundo, de baixo-contínuo audível ao largo da leitura.